sexta-feira, 14 de outubro de 2016

"Sexo Frágil? Violência e o Movimento Suffragette" - Parte III

Uma das bombas descobertas no chalé da Lloyd George. 20/02/1913


Em 1914 a contínua destruição de casas, pavilhões e igrejas diminuiu um pouco, ainda assim Mary Richardson atacou a Rokeby Venus de Velásquez na London's National Gallery, no meio de outros tantos exemplos de violência cultural: o Museu Britânico teve casos de múmias danificadas e bombas foram descobertas na Westminster Abbey e no Metropolitan Tabernacle; neste último, um cartão postal foi posto, contendo as palavras "Coloque sua religião em prática e dê liberdade às mulheres".

Apesar de ataques a construções e comunicações ou redes de viagem percebiam riscos limitados ao povo britânico, ocorreram alguns ataques que poderiam ter causado sério dano individual, caso tivessem sucesso. Em 1913 a trama para sequestrar o Ministro dos Assuntos Internos, Reginald McKenna, foi discutido tanto na imprensa quanto na Casa dos Comuns, dado que foi reportado que as suffragettes ponderavam sobre raptar um ou mais ministros do gabinete e sujeitá-los à gavagem. A ameaça foi levada tão a sério que, para suas próprias proteções, detetives particulares começaram a seguir os ministros de perto.

As mulheres participantes recebiam muitas alcunhas por parte da imprensa, de "destruidoras" à "mulheres arredias" e "incendiárias profissionais" [NT3], uma linguagem que conjura imagens de mulheres semelhantes às filhas da Revolução Francesa: um grupo social subjugado dobrado à representação política, bandindo as coreas da WSPU e entoando um grito de guerra anglicizado reminiscente do "Liberté, Unité, Fraternité". As suffragettes foram, de muitas formas, uma evolução do espírito social revolucionário que tinha varrido a Europa desde o século XVIII e seu uso de linguagem masculina pública de guerra, junto com ações violentas, é de valia para uma maior análise histórica.

Quando uma bomba foi descoberta na casa de Lloyd George, Sra. Pankhurst rapidamente alegou 'responsabilidade moral [por este feito] como uma das líderes que pregava a guerra pelo sufrágio". Sua filha, recuperando-se de uma doença na França à época das notícias, proclamou:
Talvez o Governo agora notará que nós pretendemos lutar até o amargo fim ... Se homens utilizam explosivos e bombas para seus próprios propósitos eles chamam de guerra, e o lançar de uma bomba que destrói outras pessoas é então descrito como um feito glorioso e heroico. Por que não mulheres podem usar as mesmas armas que os homens. Não é só guerra que temos declarando. Estamos lutando por uma revolução.

Tais palavras demonstram que o WSPU estava publicamente pronunciando-se em favor da violência. Lendo Christabel Pankhurst, é difícil entender por que o poder de suas palavras, e a sua influência nos leitores, têm sido esquecidos. Por que seu impacto diminuiu com o tempo? Se o falante tivesse sido um homem protagonista, será que os historiadores teriam hesitado em descrever a militância como terroristas?

O uso de imagem e retórica - desde os uniformes adotados pela WSPU até a linguagem para se discutir a militância - sugere que as mulheres reconheciam plenamente que suas ações em busca de mudança política eram ilegais, perigosas e com risco à vida. Isto é certamente evidente pela formação, em 1913, daquilo que veio a ser conhecido como o "Exército de Pankhurst":
Um encontro foi feito em Bow, Londres, noite passada, os propósitos de inaugurar o planejado 'exército' suffragette, conhecido como Divisão de Treinamento Popular [NT4]. Por volta de 300 pessoas se reuniram, em sua maioria mulheres e moças jovens... Ms. Emerson, em uma carta, disse que suas intenções eram treinar o batalhão para que prosseguissem em forçam para Downing Street, e uma vez estando lá aprisionar os Ministros até que lhes concedessem o sufrágio feminino. Eles todos sabiam da sangrenta Rua Sydney, mas as cenas sangrentas que se esperavam na Downing Street poderiam ser piores.
Igreja de St. Catherine, Hatcham, tragada pelas chamas
após um ataque incendiário suffragette, 14/05/1913
A identificação das mulheres como guerreiras ou soldadas engajadas em campanha de guerra doméstica não era nova. Desde início de 1900 que Sra. Flora Drummond era conhecida tanto da WSPU quando 'do general' e em uma ocasião foi vista montada em cavalo adiante de uma procissão de mais de 2.000 sufragistas, enquanto tocavam a canção de marcha "The Women's Marselhaise" diante delas. A WSPU tornou-se o farol da militância, com uma marca bem definida de autoridade feminina, empregando retórica de guerra e perigo. As violentas mulheres do movimento militante ocuparam os mesmos espaços dos homens, demandaram igualdade e usaram códigos previamente atribuídos à identificação masculina: honra, guerra, dever, respeito. Mas as violentas mulheres do movimento militante foram em grande parte esquecidas. No frigir dos ovos dos horrores da Primeira Guerra o movimento suffragette como um todo procurou distanciar-se das ações de suas mais dedicadas agentes. Elas têm sido marginalizadas, ignoradas e dispensadas por décadas.

Voltando à autobiografia de Kitty Marion nós encontramos sua justificação para as ações - dela e de outras:
Eu tinha me tornado mais e mais desgostosa com o esforço pela existência dos termos comerciais do sexo ... Eu rangi os dentes e determinei que de alguma forma eu lutaria contra esta vil dominação sexual e econômica sobre as mulheres que não têm direito de ser, e que nenhum homem ou mulher dignos do termo deveriam tolerar.

Footnotes:
  • NT3: No original, "professional petroleuse"; Pétroleuse, em francês, é o feminino de "pétrouleur", incendiários dos tempos da Comuna de Paris, por volta de 1870
  • NT4: No original, People's Training Corps

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