domingo, 16 de outubro de 2016

"Além da Estrutura Binária de Gênero" por YetAnotherCommenter

Além da Estrutura Binária de Gênero: Masculinidade Biológica VS Masculinidade Social


Este é um repost de um artigo que escrevi originalmente para o /r/masculism e postei aqui: http://www.reddit.com/r/masculism/comments/16t9fa/beyond_the_binary_gender_structure_biological/

Em uma segunda leitura, eu notei um erro em uma parte de raciocínio descuidado: acerca do assunto da "putinha de presídio", eu não levei em conta que em alguns casos, a "mulherzinha de presídio" é de fato "tratada como mulher" até certo ponto. Isto faz sentido enquanto as relações sendo pseudo-heterossexualizadas devido ao fato que algumas delas serem produto da sexualidade situacional praticada por homens heterossexuais que mantêm a 'ilusão' de estarem fazendo sexo com uma mulher. Apesar deste fato, existe também um forte número de relacionamentos com "mulherzinhas de prisão" que seguem a moldura que eu descrevi nesse artigo. esse subtexto parece validado por reportes do fenômeno do estupro prisional, por exemplo "No Escape: Male Rape in US Prisons". Eu poderia citar outros exemplos que são consistentes com minha análise, porém.

Além disso, este post usa um montante significativo de terminologia técnica relacionada à Metodologia Filosófica. Eu não desejo parecer patronizador, mas vou fornecer uma definição para esses termos de antemão (agradeço a Chris Sciabarra da Universidade de New York por estes conceitos).
  • Monismo: Tudo é entendido como sendo "a mesma coisa" ou epifenômenos (produtos) de uma mesma coisa.
  • Dualismo: Tudo é entendido como conformado a uma de duas categorias mutuamente exclusivas e exaustivas.
  • Dialética: Uma relação entre coisas na qual tais coisas são definidas/entendidas em termos do relacionamento uma com a outra. Entender X em termos de comparar-e-contrastar com Y.
  • Pseudo-Monismo Dialético: Um monismo que mascara-se de dualismo ao estabelecer externamente duas categorias (X e Y), ainda que entenda/compreenda Y exclusivamente em termos de sua relação com X. Y não é tratado como uma entidade em si mesma, mas ultimamente como um epifenômeno de ou uma resposta a X.

PARTE I


Em meu artigo Separando 'Meninos' de 'Homens', eu argumentei que papéis tradicionais de gênero, enquanto ambos postulados no Essencialismo de Gênero, eram baseados em tipos distintos de Essencialismo Epistemológico. Feminilidade tradicional era (e provavelmente ainda é) vista como inata à biologia feminina (provavelmente devido ao fato que uma mulher pode servir sua função socialmente estabelecida, a saber, reprodução, simplesmente em virtude de sua maturidade biológica (excetuando infertilidade)), na tradição do Essencialismo Aristotélico (TCC Essencialismo Imanente ou Moderado).

Masculinidade tradicional, por outro lado, sempre foi baseada no Essencialismo Platônico. Homens, em virtude de sua biologia ou maturação biológica somente, não servem suas funções socialmente estabelecidas (caçar, proteger, as tarefas extremamente perigosas). Em vez disso, eles devem agir a fim de provar que não apenas podem realizar estas funções mas mostrar como podem executar tais funções melhor que os outros machos. Portanto, machos biológicos devem "conquistar" sua "masculinidade", provando que podem servir à sociedade de diversas formas, e quanto melhor forem nisto, "mais homens" são.

Como consequência deste conceito platônico de masculinidade, nem todos os homens acabam por alcançar o status social de masculinidade. Há os "homens de verdade" e os "não homens de verdade", ou como podemos colocar, há os "homens" e os "meninos".

Acredito que este fato tem sido dolorosamente perdido na vasta maioria das análises de gênero tradicionais. Eu creio que este fato também tem implicações particularmente radicais que precisam ser traçadas.

PARTE II


Nas análises tradicionais (e, com raríssimas exceções, conduzidas por feministas) de gênero, existe um dualismo metodológico entre masculinidade e feminilidade - todas as classificações de gênero são vistas como caindo em masculino ou feminino. Mesmo feministas que não são das segunda e terceira ondas radicais geralmente adotam esse modelo. Mesmo feministas politicamente incorretas incansáveis como Camille Paglia têm adotado. Este modelo é fundamentalmente ginocêntrico (ou talvez femicêntrico seja um termo melhor). Ele vê o masculino como baseado numa recusa e revolta contra o feminino (tecnicamente falando isto torna o modelo pseudo-monista com a masculinidade definida dialeticamente (i.e. o não-feminino, masculinidade definida em relação ao feminino) mas isto é um assunto totalmente diferente e pelo bem da simplicidade vamos descrevê-lo como dualismo metodológico). Ele vê o feminino como o "padrão" pelo qual o masculino age a fim de se diferenciar (para ser justo, este argumento tem alguma base biológica - fetos são fêmeas até serem expostos a andrógenos no útero, o que masculiniza o feto no curso do seu desenvolvimento. Isto leva à situação de algumas feministas tentarem usar um argumento biológico a fim de defender uma análise ginocêntrica: uma situação que atinge muitas como hipócritas).

Como uma consequência analítica desse modelo, qualquer coisa que não se adeque à "real masculinidade" é classificada como feminina. Portanto, a repulsa e intimidação de homens não sendo machões o suficiente é classificado como um epifenômeno da misoginia (veja meu artigo Primal Misogyny and Ozy’s Law no r/GenderEgalitarian para mais). Estupro prisional de homens menores e mais fracos por maiores e mais fortes é visto como epifenômeno do estupro de homens contra mulheres. A opressão dos homens socialmente emasculados é vista como nada mais que consequência da opressão em mulheres. Esta atitude, que eu chamo "Misoginia Primal", é uma das maiores razões pelas quais tantos homens envolvidos nas conversações de gênero têm chegado à conclusão que feminismo não se preocupa com os assuntos dos homens: na maior parte do tempo feminismo tem argumentado que as questões dos homens são apenas um reempacotamento das das mulheres (o que, bem ironicamente, compõe a emasculação social dos "não homens de verdade" transformando-os em "mulheres honorárias" para os propósitos de análise).

Então quais são os modelos alternativos? Se estamos ligados a um modelo bigênero, existem duas alternativas: um modelo androcêntrico (ou masculocêntrico) (cujas falhas têm sido admiravelmente criticadas por uma multidão de feministas, e portanto seria falacioso adotá-lo), ou um verdadeiro dualismo metodológico que não se centra em nenhum dos lados.

PARTE III


Mas isto nos deixa com um problema: onde os 'homens socialmente emasculados', os 'não são homens de verdade' ou os 'garotos' se encaixam em tal modelo? Eles são indivíduos claramente de corpo masculino, ainda assim não são socialmente considerados "homens de verdade". "Homens de verdade" não os identificam como um deles; em vez disso, eles geralmente os mantêm sob desprezo e regularmente os assediam brutalmente sem nenhuma reserva. Nem os "garotos" recebem qualquer montante de cavalheirismo/'sexismo benevolente'/privilégio feminino que mulheres possam ter alguma expectativa de receber: "não bata numa garota" certamente não se aplica a "não homens de verdade" (de fato, o oposto é verdadeiro).

Muitas feministas argumentariam em favor do dualismo metodológico que reduz os insuficientemente-homens ao feminino, apontando insultos usados nos vários parquinhos contra homens menos "atléticos". Elas sugeririam que "maricas", "mulherzinha", "garotinha" apoiariam suas pressuposições metodológicas, e nisso elas têm um ponto. Porém, uma enorme quantidade de outros insultos e assédios aplicam-se às mesmas vítimas e não têm gênero marcado: "chorão", "merdinha", "perdedor" (especialmente indicativo dado que competições esportivas geralmente envolvem pessoas de um mesmo sexo), "fracote", "nerdão" (que tipicamente tem conotações masculinas), e por aí vai. E então temos uma sequência mais cogente de insultos: "Seja homem! Vê se cresce! Tenha colhões!".

Este último conjunto de insultos foca não em ser tradicionalmente feminino mas em vez disso em não ter a masculinidade tradicional. De acordo com o modelo típico, não ter masculinidade é ser feminino, porém ao se usar estes insultos específicos para argumentar pelo dualismo metodológico tradicional, comete-se um argumento circular. Mas é possível não ter masculinidade tradicional sem ganhar feminilidade?

A psicóloga de gênero e estudiosa da androginia Sandra Bem tem argumentado que sim. Bem desenvolveu uma medida de personalidade (o Inventário de Papel Sexual) que se baseava na suposição que masculinidade e feminilidade são de fato variáveis independentes. Pode-se ter pontuação alta em ambos, baixa em ambos, ou alta em um e baixa no outro. O resultado são quatro categorias - masculino tradicional, feminino tradicional, andrógino (exibindo tratos fortes tanto masculinos quanto femininos) e indiferenciado (não exibindo tratos fortes nem masculinos nem femininos). Insultos que revogam a masculinidade sem argumentar por um aumento de feminilidade (id est, "você não tem bolas" não necessariamente é o mesmo que "você tem vagina") repentinamente fazem muito mais sentido. Insultos que de-generizam (emasculam ou defeminizam) não são vistos como atribuindo os tratos do sexo oposto mas em vez disso como subtraindo os tratos do gênero atual.

O outro conceito que achei esclarecedor neste assunto, à parte do modelo de androginia de Bem, é o conceito de "apicalidade" desenvolvido por Typhon Blue. Blue começa notando que, devido à natureza hierárquica da masculinidade tradicional, homens geralmente não têm uma identidade social comum uns com os outros - "homens de verdade" mantêm os "não-homens-de-verdade" em desprezo, por exemplo. A noção de "homens como uma classe" se desfaz na junta, porque muitos homens não percebem os muitos outros homens como sendo fundamentalmente como eles mesmos.

PARTE IV


As duas noções acima me levam-me a uma sugestão radical. Não é suficiente "tentar com mais afinco" evitar cair no ginocentrismo ou no androcentrismo; a redução básica metodológica para dois gêneros é que é o problema.

Pense sobre isso: uma "puta de prisão" (caso claro de um homem que, neste contexto, está na base da hierarquia social, socialmente emasculado e visto como outra coisa que não "homem") é tratada como mulher? No mundo ocidental, a maior parte do tempo mulheres não são recriminadas se forem estupradas, e um enorme protesto se ergue, com razão, se qualquer um sugere que uma vítima de estupro mereceu; a "putinha de preso" infelizmente encara uma cultura que não tem tal sensibilidade, e de fato racionaliza seu estupro como algo que ele secretamente quis/mereceu em razão de sua falta de masculinidade. A puta de prisão recebe algum cavalheirismo ou é salvo por alguém? Ele pode se colocar como uma "donzela em perigo"? Claro que não; isto seria usado como mais evidência ainda de que seu lugar natural é ser violentado. A putinha de cadeia encara todas as demandas da masculinidade tradicional (como definidas na prisão) - sua falha em cumprir tais demandas é o que o demove para uma condição inferior. A putinha de cadeia se sujeita a diversas das demandas da feminilidade tradicional (ter que satisfazer sexualmente seu protetor/provedor se ele é "requerido" por um interno maior/mais forte, por exemplo). Mesmo assim, a putinha de cadeia não pode acessar os benefícios nem da masculinidade nem da feminilidade. Podemos mesmo alegar que a puta de cadeia é socialmente vista como tendo o mesmo "gênero" das mulheres, ou dos seus estupradores?

Os homens socialmente emasculados, os 'garotos', os 'falhos', os 'machos ômega', chamem-nos do nome que quiser, mas jogá-los na mesma categoria analítica que os "homens de verdade" socialmente aceitos quando eles são (na vida real) categorizados e tratados diferentemente é uma falácia. E jogá-los na mesma categoria analítica que as "mulheres" socialmente aceitos quando eles são (na vida real) categorizados e tratados diferentemente é uma falácia

Me parece que esta discussão de gênero precisa abandonar o modelo bigênero. Membros do sexo masculino não necessariamente se tornam "homens de verdade" (socialmente falando). É hora de a análise de gênero adotar modelos de gênero modelos de relações de gênero que verdadeiramente separam os "homens de verdade" dos "garotos" - enquanto eles são do mesmo sexo biológico, eles não são socialmente tratados como tendo o mesmo gênero.

Para esclarecer, não estou sugerindo que existam apenas três categorias analíticas legítimas (id est, "homem", "mulher" e "homem falho/menino"). O que estou sugerindo é que existem ao menos três categorias analíticas legítimas, e a redução de "homens falhos/ômegas/meninos/qualquercoisa" para "mulheres honorárias" (ou dos "homens de verdade", que seja) é um erro. Nem estou alegando qualquer coisas sobre fêmeas atípicas de gênero; como homem, eu tenho mais experiência com o lado masculino da equação e eu estou simplesmente me limitando meus comentários ao campo que mais tenho experiência. Certamente a hipótese proposta nesta peça é extremamente radical e controversa e portanto esta peça deve ser lida como uma exploração provisional de um potencial ângulo futuro para a exploração das questões dos homens. Mesmo assim, ela está sujeita à consideração de vocês.

CONCLUSÃO


A análise de gênero tradicional muitas vezes estabelece uma situação ginocêntrica (ou femicêntrica) onde o masculino é visto como a rejeição e inversão do padrão feminino. Uma consequência disso é a atitude de Misoginia Primal - ver todo o desdém pela "falta de masculinidade" como um epifenômeno de um desdém pelo feminino. Esta atitude marginaliza as questões dos homens. Porém, como o modelo de androginia de Sandra Bem assim como o conceito de apicalidade de Typhon Blue indicam, pode acabar sendo frutífero mover-se além do modelo bigênero das relações de gênero, adotando um modelo que diferencia entre aqueles homens que são socialmente considerados "homens de verdade" e aqueles que são socialmente emasculados. Isto pode melhorar grandemente o discurso em volta das experiências dos homens que enfrentam perseguição e preconceito em razão de serem socialmente considerados "menos que homens de verdade".
META
Título Original
Reddit Repost: 'Beyond The Binary Gender Structure: Biological Maleness vs. Social Masculinity'
Autor YetAnotherCommenter
Link Original http://honeybadgerbrigade.com/2014/01/24/reddit-repost-beyond-the-binary-gender-structure-biological-maleness-vs-social-masculinity/
Link Arquivado https://archive.today/23mbV

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Masculinidade Tóxica e Feminilidade Tóxica [Karen Straughan]

Transcrição do Meu Discurso na Simon Fraser University Transcrição do Meu Discurso na Simon Fraser University Masculinidade Tó...