"O Sol É Para Todos": Agora Todos os Homens São Tom Robinson
Nota dos Editores: Harper Lee, autora de O Sol É Para Todos, faleceu hoje [1]. Como recordação, nós repostamos esta clássica análise desta história sob o prisma dos Direitos dos Homens e Meninos feita por Dean Esmay.
Recentemente fui perguntado sobre alguém ainda aprendendo sobre o Movimento pelos Direitos Humanos dos Homens se existiam quaisquer livros, filmes, ou outras mídias que fossem geralmente populares com ou ilustrativas do que o movimento se trata. Ele ficou realmente surpreso quando mencionei a obra-prima de Harper Lee, O Sol É Para Todos [2]. Para mim isto foi engraçado; eu acredito que esta obra-prima de Harper Lee é mas relevante hoje do que nunca.
Talvez uma das grandes tragédias de se forçar crianças a "ler os clássicos" enquanto estão na escola - e O Sol é Para Todos é leitura assinalada em escolas em toda a América do Norte - é que elas não aprendem a amar livros como esse, elas aprendem a vê-lo como tarefa. Assim elas passam tão rapidamente por eles quanto podem, e então os esquecem. Por outro lado, talvez seja uma bênção escondida, já que um artigo como esse pode repentinamente induzi-los a lembrar do livro, e olhá-lo novamente como adultos.
O que a maior parte das pessoas vagamente lembra sobre O Sol É Para Todos é que ele é um filme sobre racismo no Velho Sul da América. E enquanto o racismo é um componente inegável da história, um exame mais aprofundado mostra que trata-se de bem mais, e que se a única lição que se pode traçar é "racismo é mau", nós perdemos quase tudo do livro. De fato, enquanto Harper Lee é notoriamente avessa a falar com a imprensa ou falar de seu próprio trabalho, de acordo com múltiplas [3] fontes [4], em 1962 ela disse isso ao Birmingham Post-Herald:
Meu livro tem uma temática universal, não é uma novela 'racial'. Ele retrata um aspecto da civilização. Eu tentei mostrar o conflito da alma humana - reduzido a seus termos mais simples. É uma novela sobre a consciência do homem ... universal no sentido que poderia acontecer a qualquer um, em qualquer lugar onde pessoas vivem juntas...
Por feliz coincidência, se te falta tempo e paciência para ler novelas (mesmo que eu tenha escrito uma novela eu mesmo, eu raramente tenho a energia para livros), a adaptação em filme de 1962 é uma obra por si mesma, largamente disponível, e consegue ser um dos poucos casos em que um filme é fiel a ambos a substância e espírito do livro.
Se você esqueceu-se ou nunca leu o livro ou viu o filme, eu vou dar uma curta sinopse aqui, desavergonhadamente copiada do Sparknotes e algumas outras fontes online. E sim, alerta de spoiler, estou entregando toda a história aqui:
Situado durante a Grande Depressão, uma menina pré-adolescente de nome Jean Louise Finch, que insiste em ser chamada pelo seu apelido Scout, vive om o irmão Jeremy ("Jem") e seu pai viúvo Atticus. Atticus Finch é um advogado e apesar da terrível economia os Finch estão razoavelmente bem cuidados e educados se comparados ao restante da sociedade.
As crianças fascinaram-se por uma casa próxima, velha e assustadora, chamada "o palácio de Radley", onde um homem branco recluso de nome Arthur "Boo" Bradley viveu por muitos anos. As crianças criam historinhas e jogos sobre o cara estranho e certamente doente mental, Boo Radley, mas quando Atticus descobre isto ele ensina as crianças sobre não fazer julgamentos sobre as pessoas que não se conhece e também tentar ver a vida pela perspectiva de outra pessoa antes de traçar conclusões. Uma série de eventos esquisitos acontece nas redondezas da cidade, e de alguma forma misteriosa parece que Boo Radley possa estar de alguma forma envolvido.
Então a cidade fica em polvorosa quando uma mulher branca de nome Mayella Ewell alega que foi espancada e estuprada, e acusa um homem negro chamado Tom Robinson de ser o culpado. Atticus concorda em defender Tom Robinson, e como muitos da cidade assumem a culpa de Robinson, Scout e seu irmão são submetidos ao abuso das outras crianças bem como o povo da cidade, enquanto o próprio Atticus também sofre ameaças:
Enquanto Robinson espera na cadeia pelo julgamento, uma multidão se reúne para confrontá-lo e possivelmente linchá-lo. Atticus os encara, e é aparentemente salvo em parte pelas próprias crianças:
No fundo da história, o misterioso Boo Radley parece ainda estar furtivo, e por vezes até parece ser ele a parte culpada, ou de alguma forma envolvida. Por outro lado, há razão para especular que talvez sequer tenha ocorrido o estupro. Ainda assim, enquanto lemos, parece que houve um ataque, e talvez o estranho e recluso Boo esteja envolvido de alguma forma. Mas ele é um homem branco, e as autoridades legais e os habitantes da cidade podem estar ignorando-o porque, bem, ele é branco. É tudo muito misterioso.
No julgamento, Atticus fornece evidências convincentes de que Tom Robinson não pode possivelmente ter estuprado Mayella Ewell e, de fato, mostra que não há evidência alguma que ela tenha sido estuprada, mas apenas atacada. Mayella, filha de um homem pobre, e ela mesma também pobre, usa xingamentos e histrionia a fim de tentar calar os quesntionamentos de Atticus sobre sua história de estupro:
Há uma clara falta de evidências da culpa de Robinson, e forte evidência inocentadora sugerindo que ele não era sequer fisicamente capaz seja do alegado estupro seja do assalto físico. Atticus até mesmo produz evidências que o real culpado que que atacou Mayella é provavelmente seu pai, que bateu nela a fim de puni-la por beijar um homem branco, e que sua real motivação em mentir é para evitar ser envergonhada a seus olhos e aos da população da cidade. Os argumentos finais de Atticus em defesa de seu cliente são aparentemente impossíveis de esquecer:
E ainda assim, ao final, baseado em nenhuma evidência mas somente na palavra da mulher, um júri de brancos condena Tom Robinson. O jovem, tolo, semi-letrado e vem pobre Tom Robinson tenta então escapar da prisão, e é morto na tentativa.
Apesar do veredicto de culpado, o pai de Mayella Ewell, Bob, sente que Atticus Finch o desonrou com a evidência de que ele teria batido em sua filha. Ele ameaça a viúva de Robinson, tenta invadir a casa do juiz, e finalmente até mesmo ataca Jem e Scout enquanto eles andam sozinhos para casa à noite - só para ser repentina e inesperadamente interrompido pelo estranho recluso Boo Bradley, que acidentalmente mata Bob Ewell com uma faca enquanto tenta defender as crianças. Boo Radley era um homem decente afinal de contas, e fora apenas culpado se ser estranho.
No fim de tudo, Scout nota que seu pai estava certo sobre se colocar nos sapatos das outras pessoas, e que preconceito não é algo que apenas as outras pessoas sofrem, mas algo que todos os seres humanos, ela mesma inclusa, precisam estar atentos.
E, a propósito, se você passou pela história e as palavras "Ei, Boo!" ao final não derreteram seu coração, você é feito de pedra - e realmente não entendeu nada do livro afinal.
Certamente O Sol É Para Todos retrata racismo. Mas em um nível muito mais profundo, como a própria Harper Lee afirmou, a história não é sobre raça. Não, é sobre preconceito. E enquanto provavelmente este não era seu intento, o livro também ilustra o fato que, por séculos, a melhor forma de deixar as pessoas irracionalmente irritadas e defensivas é acusar um "homem mau" de machucar uma mulher.
Como Alison Tieman mostrou em sua extraordinária série Threat Narrative, no capítulo Son of Threat Narrative: The Ugly Tropes:
As vulnerabilidades de uma nação, etnia, classe são sempre incorporadas por suas mulheres. Por causa disso, as mais poderosas figuras de narrativa revolvem-se num conceito simples: "Eles vão atacar nossas mulheres!".
Esta é bem auto-explicativa, mas eu gostaria de notar uma progressão particular nestas narrativas de ameaça: elas são corretamente identificadas como classistas, racistas, e anti-semitas quando são direcionadas contra homens negros, homens chineses, homens judeus, homens irlandeses, mas quando são direcionadas e qualquer outro grupo de homens [ enquanto homens ], elas de alguma maneira morfam em "justiça social progressiva".
O enredo central de O Sol É Para Todos é sobre um homem falsamente acusado de estupro, e uma comunidade inteira que presume que ele é culpado e presume que todo aquele que o defenda é escória, enquanto nós algumas vezes somos levados - muitas vezes por nossos próprios preconceitos - a crer que outro homem inocente é culpado (de uma coisa ou outra) simplesmente por ser estranho: "estranho" implica "diferente", "diferente" implica "perigoso", não sabe?
Eu já disse muitas vezes que nós enquanto homens somos todos Tom Robinson agora. Eu tenho visto pessoas coçando suas cabeças em confusão sobre isso, ou tornando-se imediatamente irritadas comigo, sugerindo que esta história é sobre racismo no Antigo Sul - ainda que em uma das poucas entrevistas que ela já deu sobre seu próprio trabalho, Harper Lee inequivocamente estabelece que o livro não é sobre racismo afinal.
O que Harper Lee quis que pensássemos sobre, além de sua história realmente boa, é sobre preconceito, e a falta de empatia que nós desenvolvemos quando não tentamos entender outras pessoas como pessoas em si mesmas - a empatia que vem de se colocar nos sapatos de outras pessoas.
O que muitos dos Ativistas pelos Direitos Humanos dos Homens e meninos notam é que, desde que O Sol É Para Todos foi lançado, em vez de nos tornarmos uma sociedade mais iluminada que acredita que um homem negro merece o direito básico a um devido processo e a presunção de inocência que devem ser direitos de nascimento de todas as pessoas livres, nós nos tornamos mais "iluminados" colocando presunção de culpa em todos os homens.
Além disso, considere o contexto em que Harper Lee escreveu sua obra-prima: não havia nada chocante em sugerir que uma mulher pudesse mentir sobre estupro; as audiências americanas de 1960 estavam chocadas pela natureza inter-racial do relacionamento, mas não pela ideia que uma mulher pudesse mentir sobre um estupro inexistente. Mesmo as jovens crianças do livro, longe de ficarem "apavorados" ou traumatizados pela ideia de que assaltos sexuais ocorressem, discutem a ideia racionalmente e gastam algum tempo cogitando entre si se Tom Robinson a estuprou ou se ela foi ou não estuprada afinal.
De fato, enquanto tornou-se tabu sujeito a discussão na academia, voltando aos 1990, o pesquisador herético Eugene Kanin descobriu, enquanto estudava por que mulheres em particular mentiam sobre estupro, que as razões mais comum eram "... servir a três principais funções para os litigantes: prover um álibi, buscar vingança, e obter simpatia e atenção. Falsas alegações de estupro não são consequência de uma aberração ligada a gênero, como frequentemente alegado, mas refletem esforços impulsivos e desesperados de abordar com situações de tensão pessoal e social".
O que, a propósito, é exatamente o que Harper Lee nos mostra em sua obra de 1960, dado que a história deixa absolutamente claro que Mayella Ewell estava mentindo para proteger sua família e acobertar a humilhação pública de ter beijado um homem negro - um homem negro que tinha rejeitado seus avanços e tentou fugir dela.
Avançando para nossos dias, enfurece as pessoas sugerir que falsas alegações acontecem com qualquer frequência significativa, e nos é dito que mesmo que uma mulher não minta, isto não importa pois a maioria dos estupros é acaba não sendo reportada de qualquer modo - o que, como Angry Harry tão eloquentemente explicou, é uma afirmativa desprovida de significado porque não existe ligação entre falsas alegações e alegações que acabam não reportadas.
Além disso, mesmo se falsas alegações de estupro fossem muito raras, o fato é que as consequências de uma são frequentemente piores que um real estupro: um homem falsamente acusado pode ter sua vida arruinada, pode ter sua família destruída, pode ser estuprado na prisão, ou, como no caso de Tom Robinson, pode ultimamente terminar morto, o que continua a acontecer até hoje.
Líderes dos Defensores dos Direitos Humanos perguntam uma questão simples: Nós de fato nos preocupamos apenas com mulheres, ou de fato nos preocupamos com justiça para todos?
Alguns podem chamar isso de "progresso" ou "justiça social", que tratemos todos os homens acusados tão malignamente quanto Tom Robinson foi tratado no clássico livro de Harper Lee, mas eu penso que isto seria abaixar demais o nível. Que tal tratar todos os homens melhor do que Tom Robinson foi tratado?
Eu já disse antes e direi de novo, e não me importo com quem isso possa ofender, porque a verdade é ofensiva. Quando acusados, todos os homens são presumidos Culpados Até Que Se Provem Inocentes. Em outras palavras:
Agora somos todos Tom Robinson.
PostScript: enquanto pesquisando para este artigo, eu descobri uma alegação (na ideologicamente contaminada e nada confiável Wikipédia) que ninguém jamais tentou editar uma tese de doutorado sobre O Sol É Para Todos, o que, se for verdadeiro, não deve surpreender. Enquanto esta é uma das novelas mais aclamadas do século XX, vencendo não apenas popularidade mas um número imenso de prêmios e traduzido em incontáveis línguas, é impossível fazer qualquer coisa mais que uma revisão superficial deste livro sem abordar o fato que seu enredo mais central e dominante é uma mulher que mentiu sobre ser estuprada.
Possivelmente durante os anos 1960 alguém pudesse ter escrito uma tese acadêmica sobre essa obra, mas aparentemente seria cedo demais quando o livro tinha menos de uma década de lançamento. Nos anos 1970, a doutrinação feminista tornou-se padrão na academia, e apesar do fato de erste livro ter sido escrito por uma mulher, e é indisputavelmente uma das maiores novelas dos últimos cem anos, ninguém vai dar a mínima: feministas os rotulariam apologistas do estupro, e qualquer feminista real que tentasse analisar o livro por si mesma provavelmente teria uma pane ideológica tentando falar disso sem desrespeitar seu autor - e desde que o autor é uma mulher, isto seria impensável.
Notas e Links
[1] | http://archive.is/PTJs6 |
[2] | O título original do filme é To Kill a Mockingbird (Matar uma Cotovia). A expressão é explicada em uma cena do filme - não vou dar spoiler! |
[3] | http://www.smithsonianmag.com/arts-culture/harper-lees-novel-achievement-141052/ |
[4] | http://yourbookdon.com/2012/12/30/harper-lees-mockingbird-as-a-novel-of-white-southern-conscience/ |
Título Original | To Kill A Mockingbird: All men are Tom Robinson now |
Autor | Dean Esmay |
Link Original | https://www.avoiceformen.com/mens-rights/to-kill-a-mockingbird-all-men-are-tom-robinson-now/ |
Link Arquivado | http://archive.today/yHaZv |
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