quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

"Alguns Pensamentos Sobre 'Zootopia'" por ToySoldier

Alguns Pensamentos sobre Zootopia


Finalmente eu vi o filme Zootopia, da Disney. Foi o filme animado mais recente. Como o nome sugere, o filme é sobre uma utopia de animais (apenas mamíferos). Judy Hopps (dublada por Ginnifer Goodwin) trabalha a vida toda para tornar-se o primeiro coelho policial apesar da sua pequena estatura. Ela ingressa na força policial e é escalada para o ramo principal em Zootopia. Porém, assim que ela chega, ela descobre que a cidade onde todo mundo pode ser qualquer coisa que quiser ser não é o paraíso que ela esperava.

O filme parece ter uma tomada em políticas raciais, porém, algumas feministas tomaram a mensagem como sendo sobre políticas de gênero, e eu posso ver por quê.

Judy é uma coelha. Todos os seus tratos - pequena, fraca, doce, emocional - são usualmente associados a mulheres e à feminilidade. Durante seu treino para tornar-se uma agente policial, Judy recebe uma grande monta de comentários condescendentes e preconceituosos que parecem semelhantes ao que alguém diria a uma mulher (ironicamente, todos eles são proferidos por uma ursa polar fêmea). Quando Judy chega ao ramo principal de Zootopia, em vez de receber um dos casos de predadores desaparecidos, Judy é posta de policial de tráfego. Seu desempenho estelar na academia não significa nada. O chefe simplesmente quer a coelha cotista [1] fora do caminho.

Muito disso também se encaixa na discussão sobre raça e viés em geral, porém, eu penso que fixar-se no ângulo do gênero fornece uma interessante compreensão no que os produtores do filme realmente fizeram.

Um dos elementos chave do filme é o otimismo de Judy. Ela quer ser uma agente policial mesmo que seu tamanho torne isso dificíl, se não impossível. Todos parecem ser contra seu sonho, mesmo seus pais (a cena deles falando para ela abandonar os seus sonhos é na realidade bem divertida). O fator em jogo é a "raça" de Judy. Coelhos e outros herbívoros são "presa". Carnívoros e onívoros são "predadores". Estes dois formam os grupos raciais no filme. Em certa extensão, eles formam também os grupos de gênero, com as presas sendo fêmeas e os predadores machos. Neste ponto, a vasta maioria dos predadoes, e creio que a totalidade dos violentos, é macho.

Judy explica na abertura do filme como predadores superaram sua natureza violenta e as presas superaram seu medo. Eles podem ser qualquer coisa que quiserem, especialmente se forem para a maior cidade do mundo, Zootopia.

Porém, as coisas não são tão utópicas quanto parecem ser. Alguns predadores ainda são perigosos. Judy aprende isto enquanto criança, quando ela tenta defender alguns companheiros estudantes de uma raposa valentona apenas para ser nocauteada e arranhada na cara. Seu otimismo a impede de julgar o garoto, de nome Gideon. Ela parece vê-lo como um valentão que acabou por ser uma raposa, em vez de uma raposa que faz aquilo que raposas fazem.

Ou é isso que devemos estar pensando. Quando Judy segue para Zootopia, seus pais lhe dão uma pletora de equipamentos de defesa anti-raposa. Ela pega o repelente de raposas apenas para fazer seus pais pararem. Não obstante, antes de Judy ir para seu primeiro dia de trabalho, ela inicialmente deixa o repelente e então volta para o seu apartamento para buscá-lo. Esta é nossa primeira dica de que Judy pode parecer otimista mas mesmo ela tem seu viés.

Nós vemos isso em amostra completa quando ela encontra Nick Wilde (dublada por Jason Bateman). Ela avista a raposa andando de forma bem evasiva e ela o segue. Seus instintos lhe dizem que ele não é bom, não obstante ela descobre que ele só queria comprar um picolé para seu filho.

Este é nosso primeiro gostinho da real Zootopia e do preconceito às claras. O elefante recusa-se a vencer para Nick o picolé porque Nick é um predador.

Claro, nesta instância Judy tinha razão em ter suspeitas. Nick trapaceia ela e o elefante completamente. Quando Judy descobre o truque e confronta Nick, ele estilhaça suas noções pré-concebidas sobre bondade e igualdade em Zootopia.

Se mantivermos a ideia feminista que o filme trata de gênero, este cenário apresenta um problema crítico porque Nick e os outros predadores representam "os homens". Eles deveriam ser os que detêm "privilégio", mesmo assim são os que enfrentam discriminação aberta nas mãos das presas.

Isto é melhor mostrado naquela que considero a cena mais forte do filme. Quando encontramos Nick pela primeira vez, ele é esquivo, ardiloso, e manipulativo. Judy tem que tapear o Nick para que a ajude, e Nick segue a sua maneira a fim de sabotar sua investigação dos predadores perdidos. Suas estripulias levam Judy a potencialmente perder o emprego dos sonhos. No momento que ele nota isso, ele decide ajudá-la. E então ele explica por que ele é como é:

Quando eu assistia a esta cena, a primeira coisa que me veio na cabeça foram todos os homens que frequentam cursos de estudos de gênero. Pensei sobre como deve ser o sentimento de querer fazer algo significativo apenas para que te digam que você é uma ameaça às mulheres e que precisa checar seu privilégio e que não pode nunca verdadeiramente ser digno de confiança. EU pensei sobre as multidões de homens feministas que tentam o seu máximo para alcançar estes padrões impossíveis sem jamais saber o que fizeram de errado, E eu penso nos montes de homens que simplesmente dizem "Ah, quer saber? Foda-se!".

Ou como Nick diz:
Se o mundo só vê uma raposa como sendo desleal e desonesta, não há sentido em tentar ser outra coisa.

Esta parece ser a mensagem que muitos homens obtêm do feminismo. Em um nível mais abrangente, esta parece ser a mensagem que muitos brancos tomam das discussões sobre raça. Isto também acontece com muitos pobres e minorias. Parece que quando pessoas julgam outro grupo com tamanha severidade, isto cria um viés auto-perpetuador. Nick é uma raposa desonesta porque ele foi tratado como uma.

Esta é uma cena dos diabos, e é uma que mina completamente o ângulo feminista porque não é executada como uma boa mensagem. Ela é tratada como preconceito.

Nós vemos isso mais tarde no filme quando Judy finalmente ganha a confiança de Nick após resolverem o caso. Ninguém pode explicar por que alguns predadores retornaram a seus primitivos modos predatórios, como Judy admite em uma comitiva de imprensa. Ela afirma que talvez seja uma causa biológica, que esteja na natureza dos predadores ser violento. Obviamente isto machuca Nick profundamente, particularmente quando ele vê alguns dos predadores amordaçados como aconteceu com ele quando criança.

Dado que este é um filme Disney, ele não poderia ficar com essa brecha. Mesmo assim o que aconteceu não foi Nick se desculpando com Judy. Foi Judy admitindo que ela não era tão livre de vieses como alegava ser. Existe um tanto de manipulação emocional na cena, mas no geral é algo um tanto incomum. Quantas vezes vemos uma personagem feminina desculpando-se para um personagem masculino, quanto mais sendo ela a que de fato está errada?

Se este é um filme feminista, então o que aconteceu é que a feminista admitiu que estava sendo sexista e desculpou-se.

Eu não penso que este é um filme feminista ou de justiça social. Eu penso que é um filme que olha para o viés de uma perspectiva objetiva, mostrando que qualquer um - até mesmo aqueles que se consideram desprivilegiados - pode ater-se a vieses. Eles não vão desaparecer magicamente só porque admitimos que eles existem. O mundo não é um lugar perfeito, e provavelmente nunca será uma utopia. Porém, se reconhecermos e confrontarmos nossos vieses, talvez podemos fazer desse mundo terrível algo um pouco melhor.

Esta é uma mensagem muito boa para um filme Disney muito belo.


FootNotes:
[1]No original, "token rabbit".

META
Título Original Some thoughts on Zootopia
Autor Toy Soldier
Link Original https://toysoldier.wordpress.com/2016/06/11/some-thoughts-on-zootopia/
Link Arquivado https://archive.today/qACBM

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