domingo, 4 de dezembro de 2016

"O Mito do Aborto e Crime" por John Lott Jr.

O Mito do Aborto e Crime


Acerca do aborto, há um grande buraco entre John McCain e Barack Obama. Tanto o National Right to Life Committee quanto a Pro-choice America concordam que Obama tem um recorde 100% perfeito de votação pró-escolha. McCain é pro-vida, e os dois grupos respectivamente alegam que ele vota dessa forma em pelo menos 75% das vezes. Isso deve dar um debate animado no outono.

Mas a questão do aborto geralmente se assenta apenas na moralidade do ato (escolha vs. vida), e Mccain e Obama até o momento procuram emoldurar a questão sem mudar. Moralidade certamente é importante, mas sua ênfase perde-se no impacto mais extenso que tais leis têm.

Leis liberadoras do aborto datadas de 1969 até 1973 deram a partida em enormes mudanças sociais de longo termo na América. Esta discussão pode finalmente fornecer uma possibilidade de mensurar como o caso Roe v. Wade mudou os EUA.

Um fato comumente mal compreendido: abortos legais não começaram com Roe ou mesmo com os cinco estados que liberalizaram leis de aborto em 1969 e 1970. Antes de Roe, mulheres podiam ter abortos quando suas vidas ou saúdes estavam sob perigo.

Médicos em alguns estados surpreendentes, como o Kansas, tinham interpretações bastante liberais sobre o que constituía perigo à saúde; ainda assim, Roe substancialmente aumentou os abortos, mais que dobrando a taxa contra nascimentos com vida nos cinco anos desde 1972 até 1977.

Mas muitas outras mudanças ocorreram ao mesmo tempo:
  • Um aumento acentuado do sexo pré-marital;
  • Um aumento acentuado de nascimentos fora do casamento;[NT1]
  • Uma queda no número de crianças postas para adoção;
  • Um declínio nos casamentos que ocorrem após a mulher ficar grávida.

Muitas dessas mudanças podem parecer contraditórias. Por que tanto o número de abortos quanto o de nascimentos fora do casamento subiram? Se ocorrem mais nascimentos ilegítimos, por que há menos crianças disponíveis para adoção?

Para o primeiro enigma, parte da resposta repousa nas atitudes em direção ao sexo pré-marital. Com o aborto visto como uma reserva de segurança, tanto homens quanto mulheres tornaram-se menos cuidadosos no uso de contraceptivos bem como mais dispostos a praticar sexo antes do casamento.

Ocorreram mais gravidezes indesejadas. Mas aborto legal não significa que toda gravidez indesejada levará ao aborto. Afinal, só porque o aborto é legal não acarreta que a decisão é fácil.

Estudos acadêmicos determinaram que o aborto legalizado, ao encorajar o sexo pré-marital, aumentou o número de casamentos não planejados, até mesmo superando a redução do número de nascimentos não planejados em razão do aborto.

Nos EUA dos idos de 1970, quando o aborto foi liberado, até o fim dos idos de 1980, houve um tremendo aumento na taxa de nascimentos fora do casamento, subindo de uma média de 5% de todos os nascimentos de 1965 até 1969 até mais de 16% duas décadas depois (1985 até 1989).

Para negros, os números alcandoraram-se de 35% até 62%. Enquanto nem toda essa subida pode ser creditada às leis de aborto liberalizadas, mesmo assim este foi um fator chave na contribuição.

Com a legalização e uma mulher não sendo forçada a seguir com uma gravidez não-planejada, um homem pode bem esperar que sua parceira vá fazer um aborto se uma conjunção sexual resultar em uma gravidez não-planejada.

Mas, o que acontece se a mulher se recusa - digamos, se ela moralmente se opõe ou, quem sabe, ela cogitou fazer um aborto mas ao longo da gravidez ela decide que não pode prosseguir nessa ideia?

Muitos homens, sentindo-se ludibriados para uma paternidade indesejada, é provável que vão lavar as mãos do caso completamente, pensando "Eu nunca quis um filho. Foi escolha dela, então ela que cuide dele sozinha".

O que era esperado dos homens nessa posição mudou dramaticamente nas últimas quatro décadas. As evidências mostram que a maior disponibilidade do aborto acabou largamente com os "casamentos na mira da espingarda", onde homens se viam obrigados a casar com as mulheres.

O que aconteceu com os bebês desses pais relutantes?

As mães geralmente criam seus filhos sozinhas. Mesmo que o aborto tenha levado a mais filhos fora do casamento, ele reduzira dramaticamente as adoções de filhos nascidos na América por parte de famílias com pai e mãe.[NT2]

Antes de Roe, quando o aborto era muito mais difícil, as mulheres que teriam decidido pelo aborto mas não tinham meios de conseguir um voltavam-se para a adoção como segunda opção. Depois de Roe, mulheres que se voltaram-se para o aborto eram também do tipo que queriam manter a criança.

Mas todas essas mudanças - aumento dos nascimentos fora do casamento, derrubada nas taxas de adoção e fim dos casamentos na mira da espingarda - significaram uma coisa: mais famílias de um só genitor. Com o trabalho e outras demandas do de seu tempo, genitores solteiros, não importando o quanto possam desejar seus filhos, tendem a devotar menos atenção a seus filhos que casais casados; afinal, é difícil para uma pessoa só dispender tanto tempo com uma criança quanto duas pessoas.

Desde o começo do debate acerca do aborto, aqueles favoráveis ao aborto apontavam para os custos sociais dos "filhos indesejados" que simplesmente não teriam tanta atenção quanto os "desejados". Mas há uma troca de custo&benefício que foi por muito tempo negligenciada. O aborto pode eliminar filhos indesejados, mas aumenta nascimentos fora do casamento e parentela solteira. Infelizmente, as consequências sociais da bastardia dominaram.

Crianças nascidas depois das regras de aborto liberalizadas sofreram uma série de problemas, de dificuldades na escola até mais crime. O fato mais pesaroso é que são os mais vulneráveis na sociedade, negros pobres, que mais sofreram com estas mudanças.

Não importa quem vença as eleições ou controle a Suprema Corte, abortos dificilmente serão proscritos, bem como eles não foram proscritos antes de a corte decidir Roe v. Wade em 1973.

O aborto liberalizado indubitavelmente tornou a vida mais fácil para muitos, mas como o próprio sexo certas vezes, pode ter muitas consequências indesejadas.

Crimes violentos nos EUA dispararam depois de 1960. De 1960 a 1991, crimes violentos reportados cresceram até inacreditáveis 372%. Esta tendência perturbadora foi vista ao longo de todo o país, com roubos alcançando o pico em 1991 e estupro e assalto com agravantes seguindo em 1992. Mas então algo inesperado ocorreu: Entre 1991 e 2000, as taxas de crimes violentos e crimes de propriedade desabaram, caindo 33% e 30% respectivamente. Taxas de assassinato estabilizaram-se até 1991, mas então despencaram a 44%.

Muitas explicações plausíveis foram oferecidas para a queda durantes os idos de 1990. Alguns reforçam as medidas de garantia de cumprimento da lei, como maiores taxas de captura e condenação, maiores sentenças prisionais, estratégias policiais de "janela-quebrada", e pena de morte. Outros enfatizam leis de direito ao porte oculto de armas de mão, economia mais forte, ou ao gradual descenso da epidemia de cocaína e crack.

Ainda assim, de todas as explicações, talvez a mais controversa é aquela que atribui as taxas mais baixas de crime nos idos de 1990 a Roe v. Wade, a decisão da Suprema Corte que em 1973 autorizou o aborto legalizado. De acordo com esse argumento, o número maior de mulheres que começaram a abortar logo depois de Roe eram mais provavelmente não-casadas, ou adolescentes, ou pobres, e seus filhos seriam "indesejados". Crianças nascidas sob essas condições teriam uma probabilidade maior-que-a-média de tornar-se criminosos, e teriam adentrado suas adolescências - o "primado criminal" - no começo de 1990. Mas como eles foram abortados, não estão mais por aí para causar problemas.

É uma teoria que chama a atenção, certamente, possivelmente ainda mais notória que a pesquisa recente indicando que liberalizar o aborto aumenta o sexo pré-marital, o número de filhos fora do casamento, reduz adoções e acaba com os conhecidos casamentos na debaixo da espingarda.

Mas uma análise exaustiva e precisa do aborto e das estatísticas criminais aponta para a conclusão oposta: que o aborto aumenta o crime.

A questão sobre aborto e crime foi profundamente influenciada por um estudo sueco publicado em 1966 por Hans Forsman e Inga Thuwe. Eles acompanharam os filhos de 188 mulheres que tiveram seus abortos recusados de 1939 a 1941 no único hospital em Gothenburg, Suécia. Seu estudo comparava estas crianças indesejadas com outro grupo, composto daqueles com um primeiro filho nascido no hospital após cada uma das indesejadas. Eles descobriram que as crianças indesejadas eram muito mais propensas a crescer em ambientes adversos - por exemplo, com pais divorciados, ou em casas de adoção. Estas crianças também são mais propensas a tornar-se delinquentes e ter problemas na escola. Infelizmente os autores jamais investigaram se a "indesejabilidade" das crianças lhes causou tais problemas ou se era apenas correlacionada a eles.

A alegação de Forssman e Thuwe, não obstante a limitação dos dados que a suportam, tornou-se axiomática entre os defensores do aborto legalizado. Nos anos 60 e 70, antes de Roe, defensores do direito ao aborto atribuíam toda sorte de mazelas sociais, incluindo crime e doenças mentais, aos filhos indesejados. Ceifar estas pessoas pobres e propensas ao crime da população era apresentado como uma forma de tornar a sociedade mais segura.

De fato, a Comissão Rockfeller de População e Futuro Americano de 1972, estabelecida por Richard Nixon, citou pesquisas sugerindo que filhos de mulheres que tiveram seu aborto negado "acabaram por ser registrados mais frequentemente em serviços psiquiátricos, adentraram mais em comportamento anti-social e criminoso, e têm se tornado mais dependentes de assistência pública".

Mesmo na decisão da Suprema Corte em Roe v. Wade, o Magistrado Harry Blackkmun notou os mesmos problemas sociais atribuídos aos "filhos indesejados".

Recentemente, dois economistas - John Donohue e Steven Levitt - tentaram ressuscitar o debate. Eles apresentaram evidência que supostamente demonstraria o impressionantemente grande efeito nas taxas de crime, e argumentou que até "metade da taxa total de redução de crimes" entre 1991 e 1997, e até 81% da queda nas taxas de homicídio durante esse período, era atribuível ao aumento de abortos no início até o meio dos anos 1970. Se esta alegação fosse precisa, eles certamente teriam encontrado o Santo Graal da redução de crimes.

A maioria das pessoas que desafiou o argumento "aborto reduz crime" o fez em bases éticas, em vez de tentar rebater a evidência empírica. Mas vale a pena olhar para os dados também - porque eles não provam o que deveriam provar.

A fim de entender por que o aborto pode não conter o crime, devemos primeiro lidar com o quão dramaticamente ele mudou os relacionamentos sexuais. Uma vez que o aborto tornou-se largamente disponível, pessoas engajaram-se em muito mais sexo pré-marital, e também tomaram menos cuidado no uso de métodos contraceptivos. Aborto, afinal de contas, ofereceu uma reserva se a mulher acabasse grávida, tornando o sexo pré-marital e o mau uso de contraceptivos menos arriscado. Na prática, porém, muitas mulheres veem que não podem prosseguir com um aborto, e os nascimentos fora do casamento dispararam. Poucas dessas crianças nascidas fora do casamento foram postas para adoção; a maioria das mulheres que não estava disposta a ter abortos também não estava disposta a entregar seus filhos. O aborto também removeu a pressão social sobre homens a casarem-se com as mulheres que eles engravidaram. Todos esses efeitos - mais nascimentos fora do casamento, menos adoções que o esperado, e menos pressão para os homens "cumprirem o seu dever" - levou a um subida repentina no número de famílias com apenas um genitor.

Múltiplos estudos documentam essa mudança. Do começo dos 1970 ao final dos 1980, houve um tremendo aumento na taxa de filhos fora do casamento, de uma média de 5% (1965-1969) a mais de 16% depois de vinte anos (1985-1989). Entre os negros, o número saltou de 35% a 62%. Enquanto nem todo esse aumento pode ser atribuído a leis de aborto liberalizadas, elas certamente forneceram uma contribuição chave.

O que aconteceu a todas aquelas crianças criadas por mães solteiras? Não importa o quanto elas desejem suas crias, genitores solteiros tendem a devotar menos atenção a eles que casais casados. Genitores solteiros são menos propensos que casais a ler para seus filhos ou levá-los a excursões, e mais propensos a sentir-se irados por seus filhos ou senti-los como se fossem um fardo oneroso. Filhos nascidos fora do casamento têm mais problemas sociais e de desenvolvimento que filhos de casais em praticamente qualquer medição - seja graduações na escola, expulsão ou doenças. Não é surpresa que filhos de famílias não casadas também sejam mais propensos a tornar-se criminosos.

Então as linhas de argumentação opostas no debate "aborto reduz crime" são claras: um lado reforça que o aborto elimina crianças indesejadas, o outro reforça que aumenta o número de nascimentos fora do casamento. A questão é: que consequência do aborto tem maior impacto no crime?

Infelizmente para aqueles que argumentam que aborto reduz crime, a pesquisa de Donohue e Levitt sofre de falhas metodológicas. Como notou The Economist, "Donohue e Levitt não executaram o teste que disseram ter executado". Um trabalho de dois economistas do Boston Federal Reserve, Christopher Foote e Christopher Goetz, descobriu que, quando eram executados corretamente, os testes indicavam que o aborto na realidade aumentava os crimes violentos. John Whitley e eu escrevemos um estudo que encontrou uma conexão semelhante entre aborto e assassinato - a saber, que legalizar o aborto elevou a taxa de assassinatos, em média, em aproximadamente 7%.

A teoria que "aborto diminui crime" acaba entrando em mais problemas quando a população é analisada por grupos de idade. Suponha que a liberação do aborto no começo dos anos 1970 pudesse de fato explicar até 80% da queda dos assassinatos durante os anos 1990, como alegam Donohue e Levitt. Desregular o aborto então reduziria a criminalidade primeiro nos grupos etários nascidos após as leis de aborto terem mudado, quando os elementos "indesejados" e propensos ao crime começaram a ser ceifados. Apesar disso, quando olhamos para o declínio nas taxas de homicídio durante os anos 1990, descobrimos que este não é o caso afinal. Em vez disso, as taxas de crime caíram primeiro entre aqueles de uma geração mais velha - os de mais de 26 -, nascidos antes de Roe. Só depois é que a criminalidade entre aqueles nascidos após Roe começou a declinar.

Legalizar o aborto aumenta o crime. Aqueles nascidos nos quatro anos após Roe eram muito mais propensos a cometer assassinato do que aqueles nascidos nos quatro anos anteriores. Isto fica especialmente verdadeiro quando estão em seu "primado criminal", como mostrado no gráfico.

O argumento de "aborto diminui o crime" fica ainda mais fraco quando se olha para os dados do Canadá. Enquanto as taxas de crimes em ambos Estados Unidos e Canadá começaram a declinar na mesma época, o Canadá liberalizou suas leis de aborto muito mais tarde que os EUA. Ainda que Quebec efetivamente tenha legalizado o aborto no final de 1976, não foi até 1988, em um caso originário de Ontário, que a Suprema Corte canadense efetivamente eliminou os limites de aborto em toda nação. Se a legalização do aborto nos EUA causou uma queda no crime 18 anos depois, por que a taxa de crime começou a cair apenas três anos depois da mudança legal correspondente no Canadá?

Mesmo que o aborto tenha diminuído o crime ao eliminar os "filhos indesejados" (uma conclusão derivada de estatísticas falhas), este efeito seria enormemente superado pelo aumento do crime associado com a maior incidência de famílias de apenas um genitor que também se seguiram da liberalização do aborto. Resumindo: mais aborto gerou mais crime.

Este artigo foi publicado originalmente na Fox News.


FootNotes:
  • NT1: Nao tem uma tradução muito boa para "out-of-wedlock" - algo como "fora da trava de matrimônio"...
  • NT2: Mais uma tradução meio chatinha: ele fala "two-parent families". Dada a "neutralidade de gênero", preferi "genitores" ao longo do texto.

META
Título Original The Myth of Abortion and Crime
Autor John R. Lott Jr
Link Original https://www.lewrockwell.com/2008/07/john-lott/the-myth-of-abortion-and-crime/
Link Arquivado http://archive.today/vV5nF

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